quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Fábulas do Murilo - Pesquisar ou não pesquisar? Eis a questão

Fui a uma loja de roupa de cama e mesa, a M.Martan. Muito boa, produtos de alta qualidade. Mas a experiência de compra me mostrou o que normalmente acontece com as idéias geradas no conforto da sala com ar condicionado. É o famoso uso da computação para conhecer melhor o consumidor que não dá em nada. Até fico imaginando o que aconteceu:

Um dia o presidente chega no escritório e fala com seu diretor de marketing:

- João, estou muito preocupado. Em nossa rede de lojas, todos os dias vendemos milhares de produtos, mas não conhecemos quase nada desses consumidores. Queria informação, saber quem são, de onde vêm, como descobriram nossas lojas.

O diretor de marketing compartilha suas dúvidas:

- É, precisamos fazer algo. Como diz aquele ditado, "metade do que anuncio não me serve para nada. O problema é que eu não sei qual metade".

O presidente se assusta, como se nunca tivesse pensado naquele assunto:

- Hein? Boa idéia! Os franqueados vêm reclamando que nós gastamos demais com publicidade. Precisamos mostrar para eles que o que fazemos é que gera fluxo nas lojas. Esse é um bom começo. Quero que você crie uma forma de sabermos como nossos compradores nos descobriram.

- Podíamos fazer uma pesquisa...

- Pesquisa não. Custa caro, fala com apenas uma parte de nossos consumidores. E eu não acredito nos resultados. Quero algo mais concreto! Nós sabemos onde estão nossos consumidores. Todos eles. Todo dia eles entram em nossas lojas. Queria fazer algo em nossas lojas.

- Mas uma pesquisa permite que a gente possa ser mais...

- Não. Vamos consultar todos os nossos consumidores, um por um.

- Só se a gente utilizasse as equipes de vendas.

- Ótima idéia! Eles serão nossos pesquisadores.

- Mas nós não podemos atrapalhar as vendas. Não dá para o vendedor parar a venda para pesquisar sobre a propaganda.

- Não, diz o presidente, não precisa ser uma pesquisa. Uma pergunta. Uma que não incomode o cliente.

- Tipo assim...onde você soube da nossa oferta?

- Isso! E aí o vendedor marca e a gente tabula no final.

- É, mas cada vendedor irá anotar de uma forma. E muitas vezes vai acabar se esquecendo de anotar.

- Precisamos encontrar uma forma de obrigá-lo a nos enviar a resposta. Teresinha, chame o diretor de vendas.

A secretária chama o diretor, que chega com a cara assustada.

- Wilson, precisamos fazer com que nossos vendedores preencham um formulário, com uma pergunta, sobre como o consumidor soube das nossas ofertas.

- A gente prepara uma pesquisa... começa a responder o diretor de vendas.

- Não, pesquisa não, interrompe o presidente. Quero que todos os consumidores nos falem como descobriram a nossa loja.

- Mesmo aqueles que só entram para perguntar e não compram nada? Questiona o diretor de vendas.

- Não. Esse pode ficar de fora. Afinal, se não comprou, não é nosso cliente.

- Ah! Então ficou fácil, diz o diretor de marketing. Vamos incluir uma pergunta no final do processo de compras. O vendedor precisa abrir um pedido no computador, para fechar a venda. Vamos obrigá-lo a marcar uma opção de onde o consumidor conheceu nossa loja. Ele já ficou íntimo do consumidor. Nesse momento é só uma pergunta a mais. O consumidor não vai ficar nem chateado.

- Boa idéia! Você põe as opções onde nós anunciamos, mais a informação de ter visto a vitrine. Aí vamos ter uma noção de quanto nossa propaganda está ajudando nossas vendas.

- Não sei não, interrompe o diretor de vendas, que entende como funciona o dia-a-dia nas lojas. Aumentar a carga de trabalho dos vendedores? Não sei se irá funcionar.

- Para mim funciona. Vamos implementar. Depois analisamos os resultados. João, fale com o pessoal da informática.

- É prá já!

Um mês depois a idéia está implementada. O sistema de vendas das lojas é substituído e a empresa divulga que ele sofreu um up-grade. Os vendedores passam a ter que marcar uma opção, ao final do processo de compras, de como o consumidor descobriu a loja. Se não o fizerem, a venda não fecha.

Nos primeiros dias, o vendedor se dá ao trabalho de fazer a pergunta. Depois, volta a sua posição habitual de indicar o caixa após escanear os produtos e marca sempre a mesma opção: Vi a oferta na vitrine. 100% viram a vitrine. Afinal, pensa o vendedor, não é uma loja de shopping?

Na sede, o presidente passa a se espantar mais e mais com os resultados recebidos. Chama o diretor de marketing:

- João, sua frase estava errada. Não é cinquenta por cento da propaganda que é jogada no lixo. Pelas nossas pesquisas é quase cem por cento!

E passa a cortar a verba de publicidade.

Moral: Cuidado com o que você deseja. Deus pode lhe atender.




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